Crise? Onde? Em Angola não é, com certeza. João Lourenço já a exonerou. A comprová-lo está o facto de o Presidente já ter aprovado o contrato comercial de construção, lançamento e colocação em órbita do satélite de observação da terra, o Angosat-3, segundo um despacho presidencial publicado no Diário da República.
No despacho 62/19, datado de 8 de Maio, João Lourenço autoriza o Ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação a assinar o contrato, bem como a tratar de “toda a documentação relacionada com o projecto em nome e em representação de Angola”.
No preâmbulo do despacho presidencial é escrito que o Angosat-3 surge no quadro da “Estratégia Espacial da República de Angola 2016-2025” e da “importância vital da utilização do espaço para fins pacíficos” para o desenvolvimento socioeconómico e o posicionamento estratégico de Angola.
“A utilização do espaço contribui de forma transversal para o desenvolvimento dos sectores produtivos e não produtivos que permite uma gestão eficiente dos recursos minerais, navegação marítima e aérea, bem como para um melhor planeamento territorial, controlo e defesa das zonas transfronteiriças”, argumenta-se no documento.
No despacho presidencial não é indicado qualquer montante para a celebração do contrato para o terceiro satélite, numa altura em que a Angola aguarda pela entrega, prevista para 2021, do Angosat-2.
Em 11 de Fevereiro deste ano, o ministro das Telecomunicações e Tecnologias da Informação de Angola, José Carvalho da Rocha, afirmou que o Angosat-2, em construção em França, estará operacional em 2021 e custará 320 milhões de dólares (280 milhões de euros).
O novo satélite começou a ser construído em 24 de Abril do 2018 pela empresa francesa Airbus, construtora que acolheu cerca de seis dezenas de técnicos angolanos, enquadrados em equipas permanentes, para acompanhar o projecto.
Sobre o desaparecimento do Angosat-1, construído e lançado na Rússia, o ministro indicou então que as informações de que dispõe vão no sentido de que o satélite continuará em órbita, mas que terá deixado de transmitir sinal na altura em que fazia a rotação para alinhar os painéis solares em direcção ao sol.
O primeiro satélite angolano, um investimento de cerca de 270 milhões de euros, foi projectado para sair para órbita a partir de Baikonur, no Cazaquistão, numa operação coordenada pela Roscosmos, a agência espacial russa e foi lançado para o espaço em 26 de Dezembro de 2017.
Contudo, assim que entrou em órbita, houve uma pausa nos contactos com o satélite. Inicialmente, ainda se conseguiu recuperar as comunicações, que, pouco depois, seriam perdidas novamente até ao presente.
Na altura, o executivo formou perto de 50 especialistas para garantir a gestão das infra-estruturas inerentes, com o objectivo de reforçar os serviços de telecomunicações africanos.
“Para nós, [o desaparecimento do Angosat-1], é caso para esquecer. Agora estamos a olhar para o Angosat-2”, afirmou então José Carvalho da Rocha.
Ao que tudo indica (é isso, não é Presidente João Lourenço?), com os Angosat o nosso país deixará de ter 68% da população afectada pela pobreza, ou uma das mais altas taxas de mortalidade infantil no mundo.
Será também graças aos satélites que não mais se dirá que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, ou que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
Do mesmo modo, com os Angosat não mais se afirmará que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino. Ou que 45% das crianças sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Ao contrário do que pensavam os angolanos, não vai trazer comida, nem medicamentos, nem casas, nem escolas, nem empregos, nem respeito pelos direitos humanos. Importa, contudo, compreender que há prioridades bem mais relevantes. E o satélite é uma delas.
Recorde-se que foi no Conselho de Ministros de 25 de Junho de 2008 que foi aprovado o projecto de criação do satélite “Angosat”.
Em comunicado, o Conselho de Ministros referiu nesse dia que foram aprovadas as minutas do contrato a celebrar entre o Ministério dos Correios e Telecomunicações de Angola e o consórcio russo liderado pela empresa “Robonex-sport”, tendo em vista a construção, colocação em órbita e operação do satélite angolano.
Por mera curiosidade refira-se que no mesmo Conselho de Ministros foi feito um reajustamento nos salários da função pública, sendo que – segundo o Governo – a alteração estava em consonância com o Programa Geral do Governo que previa como medida de política salarial o reajustamento dos vencimentos dos funcionários públicos, tendo em vista a reposição do poder de compra dos salários devido à inflação esperada de 10 por cento.
“Este Satélite (Angosat-1) é o primeiro e marca a entrada de Angola numa nova era das telecomunicações, o que pressupõe a condução de um programa espacial que inclua, futuramente, o lançamento de satélites subsequentes,” referiu em 2012 o então coordenador do projecto, Aristides Safeca.
Pés pelas mãos ou vice-versa
As autoridades de Angola de hoje, copiando o que fariam as de ontem, asseguraram que o primeiro satélite angolano, lançado em Dezembro de 2017, estava sob controlo, ao contrário de notícias (“fake news”, na terminologia do Departamento de Informação e Propaganda do MPLA) indicando que a Rússia havia perdido o contacto com o aparelho. Ou seja, o Governo desmentia o que não foi dito e, involuntariamente, confirma o que foi dito.
Nenhuma notícia, como se pode verificar abundantemente (aqui no Folha 8 por exemplo), diz que as autoridades russas perderam o controlo sobre o satélite. Quanto a perder o contacto, o que é – pensamos – diferente de perder o controlo, a própria Corporação Estatal de Actividades Espaciais Roscosmos, órgão governamental responsável pelo programa de ciência espacial e pesquisa geral aeroespacial da Rússia, confirma essa “dificuldade”, afirmando que “tudo indica que será um problema transitório”.
Em declarações no dia 27 de Dezembro de 2017 aos jornalistas no final do Conselho de Ministros, o secretário de Estado para as Tecnologias de Informação, Manuel Homem, rejeitou que existam problemas nos contactos com o satélite, cumprindo-se o que estava previsto.
Manuel Homem mostrou, claramente, que não sabia do que falava e, como habitual, não falava do que sabia. O que estava previsto era que o Angosat, depois de entrar em órbita, começasse a transmitir dados. E isso não aconteceu, o que levou os técnicos a falar de perda da telemetria.
Segundo notícias dessa altura, a Rússia perdeu o contacto com o primeiro satélite angolano de telecomunicações Angosat. “O contacto cessou temporariamente, perdemos a telemetria”, indicou fonte do cosmódromo à agência France Presse, dizendo esperar restabelecer o contacto com o satélite.
O secretário de Estado para as Tecnologias de Informação perdeu igualmente a “telemetria” do MPLA/Governo, esquecendo-se que não estava a, supostamente, desmentir a KCNA (Korean Central News Agency) mas sim a France Presse.
Ora, segundo o governante angolano, o que “aconteceu é que de facto o lançamento do satélite ocorreu. O satélite fez o seu percurso normal, está na órbita para o qual foi planificado” e “temos sob controlo o satélite”, disse Manuel Homem, citado pela agência noticiosa Angop, infelizmente ainda uma versão (apesar de tudo de melhor qualidade) da KCNA.
Manuel Homem remeteu para mais tarde mais informações oficiais sobre o estado do aparelho. Como? Estado do satélite? Então se está tudo normal e como previsto, o que haverá a dizer sobre o estado do Angosat?
Angola tornou-se assim no sétimo país africano, ao lado da Argélia, África do Sul, Egipto, Marrocos, Nigéria e Tunísia, com um satélite de (mas sem) comunicações em órbita.
Também o ministro das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José Carvalho da Rocha, disse que 40% da capacidade comercial do satélite já estava reservada e que o Estado angolano estima a recuperação do investimento em pelo menos dois anos.
Folha 8 com Lusa
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